terça-feira, 16 de junho de 2009

"Tudo vira bosta"

Conexão inalâmbrica. 2 h da madrugada, estômago vazio. Mensagem instantânea. O suficiente pra cagar sem ter comido nada. Quem tem medo de cagar, não come, mas, quem ama, mesmo que não queira, caga. O cocô é sintoma de amor. E no fim das contas, todos os preconceituosos ou covardes que estimam o cu como algo intocável ou sinônimo de viadagem, quando reféns do destino dão o cu como resgate. Não tem jeito, quanto mais você ama, mais você caga.
Não há esse que não tenha passado por isso alguma vez nada vida. Mais cedo ou mais tarde, o sujeito acaba se confessando com algum banheiro sujo de boate depois de uma encarada penetrante da pessoa cobiçada ou correndo pra trás da moita após algum encontro inesperado com alguém a que racionalmente se odeia, mas que inconscientemente deixa o seu cu no ponto.
Há dois meses, eles não se falavam. Ela já se havia dado a outro, diretor de arte, cinema, ou sei lá o quê, um tipo muito cool, muito cult, cheio de cu pra cagar, e com o cu dela pra comer. Ele, sujeito sonhador, poeta por adição, sem cu pra cagar, mas ainda assim, cagou. Como? Uma conversa inesperada, no meio da madrugada, dessas em que não muda nada, mas que acelera os batimentos de qualquer infeliz. E pra quem pensa que o cu não tem nada a ver com as calças, pode até ter razão, mas se engana quando nega vínculo com a emoção. A mensagem chega, as sinapses decodificam e enviam sinais pro coração que bombeiam sangue pra todo o corpo; o cu, pobre coitado, somatiza tudo. O resultado é muita bosta.
Nesse dia, ele chorou pelo cu. Não havia nada sólido, era tudo tão ralo quanto o que restou da relação. Meia hora, sentado no trono sem ser majestade. O rei já não tinha a sua rainha, e apesar das circunstâncias foi capaz de gozar. Sim. Porque cagar corresponde exatamente ao movimento inverso de receber. Você Poe pra fora uma porção roliça de sentimento, repressão e desejo que culminam em prazer. E ainda que não haja consistência a pressão é a mesma. As pregas se abrem com solenidade e dão inicio ao ritual. Algo parecido a uma execução medieval. Todos presentes em praça pública esperando o espetáculo da morte. O condenado? O amor em sua forma mais escatológica. As pregas assistem tudo com excitação e uma sensação de desfalecimento toma conta do corpo. Eis, a hora do gozo; o último suspiro.
Ele olhou pro fundo do vaso e se sentiu muito mais viril e vivo depois da intensa cagada. Já era tempo de cagar o amor.
Retornou serenamente do banheiro, e ela já nao estava lá. Desconectou, como sempre, sem dizer adeus.
Voltou a sentir contraçoes e ensaiou alguns peidos. Respirou fundo e decidiu: já nao cagaria mais, ao menos naquela noite.
Evitou o efeito laxante do cigarro e foi dormir dono de uma grande convicçao. Uma hora ou outra, tudo vira bosta.