sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Quando você se for
Quando você se for, deixará em mim a melhor e a pior parte de ti. E o melhor e o
pior de tudo isso é que me orgulho do implacável da vida: não ser tudo que foi e
ser tudo que foi.
Quando eu nasci, nenhum anjo torto desceu para me dizer nada, não precisou.
No meu primeiro pranto de vida, meus pais enxergaram em mim não a minha
face mundana, mas a sua, carregada de sangue galega, moura, hispânica, a
única descendente A negativo, parte dentro, parte fora da vagina daquela
que me gerou. Imagem e semelhança com o seu pior melhorado. Não à toa, as
contradições regem a vida e a morte.
Sentirei sua falta porque lhe amo e lhe odeio na mesma proporção. Não, na
verdade não há nenhum paradoxo nisso. Os seus maiores e abomináveis defeitos
foram responsáveis pela existência e exaltação das suas maiores qualidades.
Todas as regras que você violou, o que inclui a sedução premeditada ou inerente
ao seu ser, foi exatamente o que lhe transformou numa entidade interessante e
controversa.
De você aprendi que o etéreo carrega tamanha força a ponto de transformar
exatamente o que é impalpável no nosso maior poder. Pelo e com o etéreo
compus, criei, cantei, chantigiei emocionalmente, menti aos outros e a mim
mesma, e assim como você, aprendi a levar homens e mulheres pra cama.
Aprendi que aqueles que não acreditam no etéreo são frágeis e por isso mesmo,
fácilmente seduzíveis.
Questionarão a sua e a minha moral. Mas, depois da passagem me nego a
lhe transformar num herói; não porque impere rancor em mim. Mas porque
justamente por lhe amar, tenho a satisfação e o gozo de dizer que detesto heróis.
As pessoas têm essa terrível mania de glorificar o passado depois que já passou,
ainda que isso não condiza com a realidade. É uma forma egoísta de se sentirem
melhor e de lidarem melhor com a perda, como se o fato de morrer impusesse
a necessidade de transformar alguém num arquétipo de bondade maniqueísta.
Tolos. Todos. Eles e nós.
Volto e me repito, volto e lhe repito, com tudo que há de melhor e pior em
você, meu orgulho nasce do e no fato de que você é um anti-herói, anti-lei, antiimposições, anti você mesmo, logo você, inteiro como quis e foi. Paro e penso na
história da humanidade, só os controversos – para bem ou para mal – marcaram.
Ou alguém ousará dizer que Jesus Cristo, Gandhi, Madre Teresa e todos os outros
que supostamente se encontram no que chamam de céu superior não foram
controversos?
Eu não sei qual o seu destino, só sei que a controvérsia transita por opostos,
por polos, e que nisso você foi Mestre. Aliás, guru. A força de Sansão residia
nos seus cabelos, a sua na barba, e também no olhar. Papai Noel não comercial,
Papai Noel marginal, Papai Noel imigrante que se fez tropical, Papai Noel que
jamais distribui presentes, mas sempre nos presenteou com olhares silenciosos
e desveladores. Olhar que despia, que invadia, que constrangia, mas que marcava
presença.
Amancio e Roberto, dupla identidade. AR. Imigrante de si mesmo. Fiz-me igual.
Itinerante. Virginia e Veronica. Amor, amante.
Você que outrora girou numa roda gigante, me ensinou boleros e me deu o maior
dos diamantes: o centro cósmico do universo.
Não somos maus. Somos os melhores no pior que podemos ser.
Eu te amo, meu avô. Vá em paz, mas não descanse. Quero sentir sua presença
controversa, fazendo peça e reza, onde quer que vá. Vá em paz, e sim, descanse. Todo homem tem direito ao descanso.
Se você fosse uma mulher, no seu último suspiro, eu acaricia os seus seios.
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