sábado, 23 de abril de 2011

Impressoes

Eu me vejo como esse quadro na parede de uma casa outrora povoada, agora inhabitada. O garoto, em posiçao de cócoras sujeita a cabeça (ou mais bem tapa os ouvidos?) e diante do outro revela um tronco descontínuo, cortado por uma faixa de tinta amarronzada. Estará ele realmente em descontinuidade ou seu corpo assim se revela apenas diante do outro?
Até que ponto as impressoes que carregamos do mundo ou dos nossos ¿semalhantes? sao produto de uma lógica de alteridade ou complexo reflexo de construçoes socio-historicas distorcidas?
Até que ponto as impressoes que temos de nós mesmos sao resultado desse ou daquele?
Recaimos num transitar quase esquizofrênico entre esses dois extremos. Dificil colocar-se no lugar do outro sem penetrar na sua subjetividade, por mais que se penetre na sua cultura. Sim, porque a cultura é integrante de hábitos e quizás de personalidade, mas a subjetividade é um poço sem fundo.
Eu nao sei porque o menino contínuo ou descontínuo segura a cabeça ou tapa os ouvidos. Apenas sei -ou acho que sei- que em meio a tantos ruídos, e mesmo diante da enorme audiência que já transitou por essa casa -agora inahbitada -, ele está só. Mesmo diante de mim, mesmo diante de outros, ele permanece só. Só também estou eu; nem eu e nem ele chegaremos a saber o motivo de nossas solidoes ou mais bem vazios acompanhados?
Ou talvez tudo isso seja apenas mais uma impressao falsa de mim para o outro e vice-versa. Talvez o menino nao me veja como uma solitaria (embora assim me sinta), talvez ele nao seja solidao. Sao tantas as possibilidades. A mim e ao outro cabe nao julgar, nao projetar, nos corresponde apenas uma reflexao circular e interessada; mútua. Falo de espelhos externos e interiores. Espelho de teto de motel; espelhos que desdobram e multiplicam imagens; retrovisor; de maquiagem; aquele de armário usado só por você, e também aquele espelho de dentro - da câmera fotográfica. Sao multiplas as metáforas.
Por hora, a tela do computador me reflete, eu reflito o menino, e muito provavelmente adotarei a mesma atitude aparente que ele: há ruido na rua, há ruido nessa casa inhabitada; tapo os ouvidos e me escuto na reflexao de mim para mim e de mim para o outro. Continua ou descontinua? Acho que as duas coisas. Sempre.