terça-feira, 22 de dezembro de 2009

fui no fast food comprar comida expresso. com muito catchup. mas, era tudo carne, sangue, lárgrima e desejo mal digerido. antes o amor fosse um hamburguer.
se meu amor é vao, nao é por opcao, nem por masoquismo ou por sacrificio. amor coisa sem sentido, sem lei, sem teto, terra de ninguém. ou mais bem de todos?
meu amor é expresso, mas nao é fast. é intenso, denso e muito food.
antes o amor fosse um hamburguer.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

eu queria que tudo fosse como aquela foto, na parede.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

comprei auriculares novos, e nada mudou.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Satélite de mim.

De aqui onde estou, vejo apenas fundos de casas, paredões descascados e a ação impiedosa do tempo sobre os telhados. O céu é cinzento, e quase nunca estrelado. Mas, ela, companheira fiel dos nostálgicos corações, aparece sempre na janela do meu quarto pra interromper minha solidão.
Ando tão só que adoeci. Essa semana, nem ela veio me visitar. Meu corpo todo dói; pior do que se atirar no abismo é quando ele cai sobre você. Somatizei. Afundo a colher no açucareiro com a inútil esperança de que não haja fundo, de que tudo seja eternamente doce.
Somatizei. E no fundo, a gente sempre sabe o real sentido das coisas. Enganamos-nos pra tentar tornar o mundo um pouco mais colorido – e doce.
Eu toco o seu fundo – cheio de açúcar - e realizo que não há infinito; tampouco existe saída que me transporte àquela superfície.
Mas, eu sei que ela volta. São apenas dias difíceis. Assim como eu, ela conhece bem o abandono acompanhado. Cansou-se do desejo gratuito, da fama solitária, dos ébrios da noite, das palavras banais. No final da madrugada, regressará só pra casa, e durante o dia se sentirá despovoada e fosca. Os demais brindarão à vida sob o sol. Rotina implacável.
Eu sei que ela volta, porque nós duas temos crateras abertas – e sabemos que será sempre assim. Cuidaremos uma da outra e seremos egoístas. Sem remorso.
Eu sei que ela volta! E se ela não voltar, então o mundo se acabou e se esqueceram de me avisar. Eu sei que ela volta! Ela tem que voltar! E se isso não acontecer – e o mundo ainda existir -, então não me restará outra opção. Fecharei os olhos e farei dela a minha eterna morada.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Amblose

A pílula diária contraceptiva introduz em meu corpo a dose incômoda de rotina. 23 h, o alarme soa e me faz lembrar que cada dia que se repete eu também me repito - e sou menos eu.
Sinto-me como um aborto cotidiano.

Palavras para Lisa, para Mim e para Nóia

Minha ansiedade é minha inércia. O medo me paralisa. O amor me paralisa. Essas palavras não são para Lisa, são para mim. Lisa não existe, ele não existe, ela não existe, mas eu sou ele, eu sou ela, sou todos, talvez não seja apenas eu, nem Lisa, porque Lisa não existe, eu existo, mas a minha existência me paralisa. Estou de volta, pessoas já não existem fora de mim, mas habitam o meu ser atemporalmente. Estou de volta, pessoas existem fora de mim, mas cultivam a eminência da desaparição dentro de mim. Eu, mim, dentro, fora, ele, ela, a vida me paralisa, e essas palavras não são para Lisa; muito melhor seria se fossem para ela. Mas, ela existe! Por que não são para ela? Porque ela não é Lisa, é a força da palavra, a regra gramatical, o pronome que se impõe. Melhor seria se Lisa existisse. A vida me paralisa, e Lisa não me pára porque Lisa tampouco é ela ou eu. Minha ansiedade é minha inércia e também minha loucura. O medo me paralisa. O amor me paralisa. Essas palavras não são para Lisa, são para mim – e para Nóia.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Cama, mesa e céu

Te desenharei por dentro, penetrando os orificios
Habitarei seus pensamentos apossando seus suspiros
Sem hora para suplício cersarei o teu silêncio
Vou regar sua cama inteira violando sua alma
Masturbar sua conciência sem tempo de ter calma
Tocarei de madrugada o cume das tuas tetas
Direi-te: - Voe águia!Pois o céu é infinito
Mas, nao esqueça que minha água é sagrada no teu ninho
E por suas asas serem mil moradas
És tu aguia e eu passarinho.

Joao Vinicius e Veronika Mendez

terça-feira, 16 de junho de 2009

"Tudo vira bosta"

Conexão inalâmbrica. 2 h da madrugada, estômago vazio. Mensagem instantânea. O suficiente pra cagar sem ter comido nada. Quem tem medo de cagar, não come, mas, quem ama, mesmo que não queira, caga. O cocô é sintoma de amor. E no fim das contas, todos os preconceituosos ou covardes que estimam o cu como algo intocável ou sinônimo de viadagem, quando reféns do destino dão o cu como resgate. Não tem jeito, quanto mais você ama, mais você caga.
Não há esse que não tenha passado por isso alguma vez nada vida. Mais cedo ou mais tarde, o sujeito acaba se confessando com algum banheiro sujo de boate depois de uma encarada penetrante da pessoa cobiçada ou correndo pra trás da moita após algum encontro inesperado com alguém a que racionalmente se odeia, mas que inconscientemente deixa o seu cu no ponto.
Há dois meses, eles não se falavam. Ela já se havia dado a outro, diretor de arte, cinema, ou sei lá o quê, um tipo muito cool, muito cult, cheio de cu pra cagar, e com o cu dela pra comer. Ele, sujeito sonhador, poeta por adição, sem cu pra cagar, mas ainda assim, cagou. Como? Uma conversa inesperada, no meio da madrugada, dessas em que não muda nada, mas que acelera os batimentos de qualquer infeliz. E pra quem pensa que o cu não tem nada a ver com as calças, pode até ter razão, mas se engana quando nega vínculo com a emoção. A mensagem chega, as sinapses decodificam e enviam sinais pro coração que bombeiam sangue pra todo o corpo; o cu, pobre coitado, somatiza tudo. O resultado é muita bosta.
Nesse dia, ele chorou pelo cu. Não havia nada sólido, era tudo tão ralo quanto o que restou da relação. Meia hora, sentado no trono sem ser majestade. O rei já não tinha a sua rainha, e apesar das circunstâncias foi capaz de gozar. Sim. Porque cagar corresponde exatamente ao movimento inverso de receber. Você Poe pra fora uma porção roliça de sentimento, repressão e desejo que culminam em prazer. E ainda que não haja consistência a pressão é a mesma. As pregas se abrem com solenidade e dão inicio ao ritual. Algo parecido a uma execução medieval. Todos presentes em praça pública esperando o espetáculo da morte. O condenado? O amor em sua forma mais escatológica. As pregas assistem tudo com excitação e uma sensação de desfalecimento toma conta do corpo. Eis, a hora do gozo; o último suspiro.
Ele olhou pro fundo do vaso e se sentiu muito mais viril e vivo depois da intensa cagada. Já era tempo de cagar o amor.
Retornou serenamente do banheiro, e ela já nao estava lá. Desconectou, como sempre, sem dizer adeus.
Voltou a sentir contraçoes e ensaiou alguns peidos. Respirou fundo e decidiu: já nao cagaria mais, ao menos naquela noite.
Evitou o efeito laxante do cigarro e foi dormir dono de uma grande convicçao. Uma hora ou outra, tudo vira bosta.

sábado, 23 de maio de 2009

Meu dedo mindinho

Ainda lembro do toque de ponta de dedo, lá no fundo do Atlântico.
Conversavas com outro que nao eu, e a ponta do meu mindinho roçava no teu.
Foi em Santa Teresa que meu corpo estremeceu. Num programa inesperado, uma mirada de canto de olho e uma conversa sobre contas fizeram de ti meu conto, sem fadas, sem final feliz, mas, de enredo supreendente.
Santa Teresa tem magia, tem o bonde que leva e traz alegria, mas o mar tem mistérios que a nossa vã filosofia não é capaz de entender; foi no fundo do oceano que o irremediável boom aconteceu.
Tuas digitais se perpetuaram em mim, e talvez tu nao saibas, mas, o que eu mais amo em ti é a ponta do teu dedo, o mindinho. Esse dedo que parece apenas compôr o arranjo estético da mão, parece frágil e quase sem função é também o dedo da infância,que sela o pacto, que engancha, da forma mais espontânea, desde sempre, desde que a gente é gente e nao sabe porquê.
Meu amor por ti vive no meu mindinho e, ainda assim, não tem dimensão.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Quando seca a poesia o que resta é perversão - a melhor possível.

Eu tenho vontade de invadir seu apartamento, apontar uma arma para sua cabeça e lhe obrigar a me chupar. Fazer-lhe refém sexual até o dia em que privar-lhe de liberdade ou de escolha já não seja mais capaz de me dar prazer. Far-lhe-ia sangrar a cada dia, comeria o seu rabo, e te obrigaria a me comer bem comida simulando bem o amor. Eu só não seria capaz de lhe matar, não porque me sobre alguma moral ou porque ainda exista coração; só não me faria assassina porque se lhe mato morre também a palavra, e eu posso ser tudo, mas, toda a perversão que existe em mim ainda não me permite ser suicida.

domingo, 26 de abril de 2009

Quando seca a poesia o que resta é perversão - a pior possível.

Minha parede tem marcas de baratas mortas, matadas por mim.
Farelos de tudo povoam a minha cama e nutrem as baratas vítimas do meu ciclo cínico e cruel.
O estalo do chinelo na parede e o som inconfundível do inseto esmagado ativam os sensores do meu corpo e me inundam de vida.
Nesse instante a minha buceta exala vida e morte pelo quarto.
Eu não tenho pena da barata. E não me sinto culpada por nada, muito menos pela sua existência ou sua aparição.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

By the way...i love you

Quantas flores tenho que mandar
Para fazer a primavera chegar
No seu peito?

E quantas vezes tenho que dizer
Que o que dizem ser melhor pra você
Quase nunca ou quase nada é o melhor
Pra si mesmo

Talvez minha poesia adolescente
Pura, sincera, algo inconveniente
Não tenha sido suficiente
Pra convencer

Talvez só mesmo o amor bandido
Puro sexo, pura libido
Tenha prazer ao trepar
Com cinismo e conveniência

Puta
Santa
Toda mulher é o que quer
Toda mulher é mais que mulher

Eu acendo a vela
Eu rezo pra ela
Mesmo que me esqueça
Mesmo que nao mereça
Mesmo que entorpeça

By the way, by the way, by the way, by the way...i love you



(música feita agora, com todos os erros e a paixao que o frescor oferece)

sábado, 28 de março de 2009

Fascinação

Eu não lembro o que ela disse, mas a gente se encontrou. Linda como sempre, beleza colossal. Loira reluzente, cabelos embocados, perfeitamente recolhidos e alinhados. Ela me abraçou. Senti sua pele de mármore e seu cheirinho primaveril, particular. Abraço mais confortador não há. Esperei tanto pelo reencontro. Mas, ela sempre fugia de mim ou dizia que ainda não era à hora; proferia palavras que soavam – ou eu entendia - como repreensão. Eu não me perdoava. Fui covarde, o amor me sucumbiu e evadi. Eu sabia que ela tinha todo o direito da dúvida ou do silêncio. Mas, ela é nobre, aliás, sempre foi. Nobre de alma e de elegância nata. Vestida de chita ou desfilando pérolas reinava como uma majestade. Foi ali, no mesmo cenário de sempre, marcado por poemas da infância e pelos móveis já desgastados que ela voltou a me sorrir e me beijou. O melhor beijo do mundo, o mais esperado. Quanta ternura, quanto amor por essa mulher. Conversamos na língua do amor, essa que dispensa tradução. O coração entende e diz amém.
Não poderia haver melhor reconciliação comigo mesma. Minha consciência acordou em paz. Essa noite estive com minha avó. Loucura ou imaginação para os incrédulos, objeto do meu inconsciente para os estudiosos agnósticos, o fato é que o amor transcende qualquer dimensão. Saudade do pão com queijo torrado, da fé inabalável em mim, da intuição herdada e praticada ao seu lado, das noites em volta do piano, das palavras sem pudor; saudade, minha querida. Obrigada pelo encontro, pelo toque acolhedor que eu tanto precisava. “Vai minha neta, vai ser grande na vida”. Seu desejo é uma ordem, vó.
...O sonho mais lindo - sonhei.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Ela e Lina

Qual é o distanciamento mínimo entre o autor e sua obra? Qual é a espessura exata da tênue linha que separa realidade e desejo?
O mundo literário e a licença poética juntos velam a versátil porção de ego e covardia que existe e atormenta todo e qualquer criador. Nem surto, nem absurdo. O silêncio grita, as pausas sussurram e o mundo que se lê atravessa o filtro da escolha. A palavra é a reiteração do silêncio. Há intenção ainda que haja inconsciência. Silêncio e palavra: mesma pessoa, duas faces; igualmente egocêntricos e covardes.
Eu - lírico, heterônimos, pseudônimos, simbioses, narrador onisciente, a síndrome de pandora assola o criador e a criatura assume todas as caras do ridículo, as sobre doses de perversão ou paixão, a crueldade e seus requintes e a cobiça pela mulher do próximo.
Quem bebeu do antídoto da palavra é porque já provou do seu veneno e sabe que artifícios narrativos, gêneros e recursos de linguagem na verdade são discípulos e atuam pra que ela – a palavra - realize a sua função primordial com êxito: seduzir. Não importa o radical do verbo nem seu resultado final (convencer, aclarar, elucidar, explicar, etc. e tal), antes de tudo vem a sedução.
Ao divagar sobre isso tocada por uma certeza irredutível ela não hesitou. O jogo de conquista da palavra e da vida a fizeram lembrar que não por casualidade, e muito menos por ironia, as mais antigas profissões do mundo são atribuídas aos contadores de estórias e às prostitutas. Concluiu, então. A sedução faz parte do ser.

Seu nome é Ela. Só que ela nunca entendeu porque a batizaram assim. Quiçá por uma crise de identidade de sua mãe ou por mera excentricidade de seu pai, até hoje não foi capaz de descobrir. O fato é que entre Ela, a que muitos conhecem e o eu, só seu, há um abismo enorme. Por isso eu que sou e me chamo Ela me sirvo da palavra pra tocar você, ele e qualquer novo estranho que eu ainda não conheça por detrás do pronome. Por isso que eu, Ela, que sempre me abasteci do outro em experiências vicárias, resolvo contar mais uma história que começa em sacanagem e acaba em paixão, pra que você também viva a sua, ainda que aqui, na ficção.

Ela era puta e eu sabia. Tava ali pra todo mundo ver. A distância entre ela e outro qualquer se traduzia em cifras. 50 euros por cada 20 min. O seu preço não era muito diferente dos demais. Quase todos os profissionais do sexo registrados e regulamentados em Amsterdam atuam nessa faixa. Algo justo. No Red Light District a máxima global de que imagem é tudo assume papel coadjuvante, e a sede humana por si só converte-se em moeda do prazer. Em uma cidade tão plural e tolerante como Amsterdam não poderia ser de outro jeito. Prostitutas e travestis das mais variadas nacionalidades, etnias e arranjos físicos cruzam a fronteira que separa o bizarro do sublime e protagonizam a igualdade das diferenças. Por isso paga-se pelo ritual, não pelo dote. O espectro de luz que dá nome ao bairro e ilumina as janelas transformadas em vitrines para que as moças exponham os seus conteúdos atua com altruísmo deslocando o grotesco e o parâmetro esteta para uma mesma categoria numa escala simbólica: o desejo. O vermelho que naturalmente inspira virilidade e paixão estabelece também a democracia dos gostos e dos corpos. Há clientela para todos.
Era o meu terceiro dia de estadia na cidade e a terceira noite consecutiva que eu regressava ao Distrito Vermelho acompanhada por dois amigos - que por livre e espontânea pressão eu conseguia convencer às caminhadas noturnas reiteradas ao bairro. A verdade é que nem a paisagem encantadora da cidade nem o seu roteiro cultural relevante foram capazes de exercer tanta influencia sobre mim. Pela primeira vez eu dava de cara com a prática do milenarmente proibido, ali, diante de quem quisesse ver; escancarado, e de forma legal. Deparar-se com a marginalidade legitimada causa estranhamento. Mas, o estranho quando não produz excitação no mínimo gera curiosidade. Foi assim comigo, e acredito que seja assim com as centenas de pessoas de todas as partes que diariamente visitam os becos e vielas dali.
Apesar do frio cortante, atravessar cada canal da cidade em direção ao parque de diversão para as minhas devassidões me fazia latejar. Os canais empedrados se fundiam em mim e me inundavam. –Um bairro só de sacanagem, tudo o que eu sempre sonhei. Eu não cansava de repetir isso pra mim e pros garotos. Estes, aliás, se deliciavam em poder dividir com uma mulher os estímulos que seus corpos recebiam, e se divertiam ainda mais em saber que toda aquela luz vermelha também incitava bastante os meus sentidos. Os comentários entre nós sobre elas eram os piores, no melhor sentido que o pior pode ter.
Deparávamo-nos com o que no nosso conceito transitavam entre aberrações e gostosas. Éramos cruéis com o primeiro e depravados com o segundo. Talvez eu fosse a pior entre eles, em pensamento. Por momentos tentava me imaginar com as figuras bizarras e obesas – quase sempre travestis -; e isso de alguma forma me excitava, mas o lapso de morbidez mesclado com misericórdia passava e eu me assustava comigo mesma. Começava a rir e voltava a ser cruel junto aos garotos. –Jesus sacramentado! Quem consegue trepar com essa anomalia? –Rapaz, tem uns gringos aí “muito doido”! –Com certeza compensam no boquete. Era muito bom sermos politicamente incorretos; era muito bom expressar sem receio nossos preconceitos, porque lidar com o despudor e despir-se do quer que seja não significa apenas admitir subversões, fantasias, perversões – ou como se queira chamar -, mas, sobretudo, assumir o objeto de discriminação. Esse é o primeiro passo para a reconstrução de parâmetros; para a tolerância.
Ali, no meio de toda aquela sacanagem, com homens entrando e saindo das vitrines com sorriso de orelha a orelha eu me sentia livre em pensamento e em espírito. É bem verdade que não havia mulheres participando do entra e sai de vitrines, e parando para contabilizar, existia uma fração mínima delas em relação aos homens que transitavam pelo Distrito Vermelho. Andavam sempre em grupo, quase sempre acompanhadas de seus parceiros, todos provavelmente turistas, e as que caminhavam sozinhas pela área logo retiravam uma chave do bolso e em seguida se concluía que eram residentes do bairro. Eu observei essas mulheres. Quase nunca teciam comentários em relação à realidade instigante materializada diante de todos, se limitavam a escutar o que os homens proferiam; muitas não resistiam e riam-se por nervosismo ou por conivência. Eu era capaz de ler cada olhar analítico que essas mulheres dirigiam às vitrines. Analisavam caladas. Por segundos invejavam aquelas putas e cobiçavam àquele posto; outrora flertavam – novamente caladas – e já não desejavam mais ser alvo do desejo alheio, senão ansiavam ocultamente estar com aquelas garotas. É interessante como um corpo nu se transforma sem rótulo em um corpo erótico. Somos capazes de desejar a tudo e a todos. O desejo antecede a castração. Ali, diante daquelas mulheres tive certeza disso.
Realidade e fantasia duelavam o tempo todo dentro de mim e meu corpo clamava pelo toque. Os garotos começavam a estar impacientes diante de tantas possibilidades, e nossos bolsos coçavam. A grana estava curta pra todos e “volta e meia”, resíduos de racionalidade socialmente construída insistia em nos recordar: - Fala sério não vamos pagar por uma puta, a gente tem berço, formação e é gatinho, porra. - Ainda mais eu, uma garota! Que classe de mulher paga por uma puta? Decidimos. Íamos embora dali curar nossas tensões sexuais em algum bar.
A vida muda a cada esquina que se dobra. Nesse instante o clichê da oração dotou-se de sentido como nunca. Paralisei. Fui incapaz de concretizar o óbvio: toda puta olha pra você de modo que você se sinta extremamente especial e atraente e assim, pague por ela. Isso já não importava. Eu estava diante da harmonia perfeita dos traços, da distribuição precisa das massas. Pela primeira vez na vida me deparei com a tradução humana do sublime, algo que jamais imaginei que fosse capaz de existir entre os humanos. Entrei em catarse. Diferentemente das outras ela era simpática e paciente. Sim, porque as putas do Red Light em geral não permitem que ninguém fique mais de 2 minutos parado diante da vitrine sem tomar a decisão de entrar ou de seguir caminho. Logo se irritam, soltam um “fuck off, go away” e te fazem sentir ridículo e confuso. Apresentam-se ali como produto, e como tal, a lógica diria que ao entrar em uma loja o consumidor tem o direito de analisar em seu tempo o material e decidir, então, comprá-lo ou não. Ali o sistema é diferente. Mas, ela como ser elevado - apesar de ser puta e de todo mundo saber -, atuava com distinção. Abriu três vezes a porta da sua vitrine convidando-me a entrar. Falava com doçura do alto de seus 1,75m. Eu não sabia o que fazer. Olhava os meninos, e eles também catatônicos não sabiam o que opinar. Ela então abriu a porta mais uma vez, sorriu pra mim e me estendeu a mao de maneira irrecusável. Aquele ato de ternura me tranqüilizou e eu entrei. Os garotos não acreditavam no que viam, os transeuntes também não. Ela deixou a porta aberta imaginando que um dos garotos fosse meu namorado, rapidamente lhe confessei que seriamos apenas eu e ela; surpreendeu-se: “Oh my god, you are very beautiful, it´s funny”.
Subimos alguns degraus e entramos no seu quarto. Compacto, tinha apenas uma cama junto à parede, uma pia, uma cadeira para o cliente sentar-se e um pequeno closet para os seus objetos pessoais. Nada que se parecesse ao glamour das suítes de motel, sobretudo porque não tinha espelho. Tudo muito clean oscilando entre o que se parece a um consultório médico e uma sala de massagem. A diferença em relação a ambos se estabelecia pelas protagonistas do lugar, ela, e é claro, a luz vermelha.
Apesar da aura divina daquele ser seu discurso me fez lembrar que se tratava de uma puta: “antes o dinheiro, baby. São 50 euros”. Ela era realmente profissional. A melhor puta de todos os tempos - pensei e supus na minha humilde condição de nunca ter contratado o serviço de uma antes. O fato é que nela a mais vil palavra poderia ser dita e ainda sim soaria como Beethoven em dia de grande inspiração. Não é exagero.
Ela sentou-se na cama e eu diante dela, na cadeira. Éramos perpendiculares. Nervosa, perguntei se poderia fumar. –Claro que sim, pode ficar a vontade. Não encontrei meu isqueiro; e não seria capaz de encontrar nada. A sua presença avassaladora não permitia o mínimo desvio de atenção. Como uma rainha levantou do seu trono, a cama, e cordialmente acendeu o meu cigarro. Perguntei o seu nome. – Lina, e o seu? –Meu nome é Ela. –Você é a mais linda de todas. Ela sorriu e me retribuiu o elogio. Calamos. O silêncio é a reiteração da palavra.
Eu queria descobri-la, destrinchá-la, absolutamente tudo nela me interessava. Ela esperava uma iniciativa minha, um pedido sexual, mas eu já não era mais capaz de percebê-la como puta; ela, antes objeto de meu desejo em fúria, havia se transformado em Lina, o artefato maioral da minha admiração. Embora seus longos cabelos dourados junto às suas tetas proeminentes tentassem me convencer o tempo inteiro do contrário, resultava fácil repensar o pecado; bastava alinhar meu olhar com o seu e concretizar a inexorabilidade do fato: eu estava diante de uma santa; havia que respeitá-la. Sim, porque sua beleza era um dom, e como tal, o divino fazia parte do seu ser. Olhos verdes, grandes, expressivos, boca grande, lábios desenhados, sorriso branco, colossal; uma combinação de traços europeus e árabes. Eu ainda não sabia a sua origem. Eu ainda não sabia nada sobre ela.
-Você fuma muito, não?
- Estou nervosa.
- Você é a primeira mulher que entra aqui sozinha. As mulheres costumam vir acompanhadas dos namorados.
-Está surpresa?
-Sim. Você é bonita e estranha. Inédito.
–Eu quero saber sobre você. Você não se sente só?
-Não. (Risos)
- Eu me sinto só.
-Eu não paro pra pensar nisso. Minha vida é divertida.
-Passa o isqueiro, por favor.
-Eu espero que você não se mate de tanto fumar. Você é bonita.
-Por que você é puta? Eu preciso saber sobre você.
-Minha vida era um tédio e se eu deixar ele sempre toma conta de mim. Aqui não, cada dia é diferente. Eu fujo dele.
-Como assim?
-Eu fazia faculdade de contabilidade aqui em Amsterdam, tentei depois outras áreas e as coisas permaneceram sem graça.
-Você ta me dizendo, então, que gosta de ser puta?
-Sim, eu sou feliz assim.
Silêncio.
Eu comecei a chorar. Não por pena, não por raiva. Chorei por paixão e impossibilidade. Dei-me conta que não havia nada que eu pudesse fazer pra que ela fosse minha. Ainda que eu levasse a vida toda pagando por ela, sua vocação era ser puta. Os 20 minutos se alongaram pra 30 porque ela havia gostado de mim. Contou-me de seus pais libaneses, da sua rotina de trabalho, desmistificou a idéia de que a maioria das pessoas que entra lá é pra transar. Não. Mais da metade de seu ofício se resume a punhetas rápidas e sexo oral com camisinha. E a recíproca entre o cliente e ela não pode ser verdadeira: ninguém pode chupá-la ou masturbá-la. Quanto à penetração, essa funciona como algo mecânico.
-Nossa! O que eu posso fazer com você então? Porque com mulher é diferente.
- Você eu deixo me tocar.
-Eu quero me matar.
-Por quê? O que aconteceu?
-Porque você é linda, é puta, e eu simplesmente não sou capaz de fazer absolutamente nada contigo. Nem a minha mãe eu respeitei tanto na vida.
- Você é realmente bonita e estranha. Risos. Vou lembrar sempre de você.
-Eu queria te beijar.
-Putas não beijam, baby. Desculpe.
-Não precisa pedir desculpa. Eu te respeito muito e aceito a sua condição de puta.
-Você tem que ir agora. O tempo acabou.

Levantei-me em direção a ela, acaricie com amor e deferência suas tetas, como quem pede a bênção. De pé, ela me abraçou profundamente com afeto e gratidão. Eu havia sido o trabalho mais fácil de sua vida. 50 euros por 30 minutos de bate-papo agradável. Muito abalada e ainda transe, dei-lhe as costas dirigindo-me a saída. Metros a frente escutei, -Ela! Leva o isqueiro com você. E se algum dia voltar a Amsterdam e me encontrar por alguma esquina é só bater no vidro, você é minha convidada e das meninas.

Ela não perde esse isqueiro por nada. Sua chama é alta e vivaz, como Lina. Engraçado que não haveria objeto melhor para representar o que outrora foi objeto de seu próprio desejo – uma puta, a mais linda das putas. Cada vez que Ela ativa sua chama desnuda-lhe em pensamento. Ainda assim, não é capaz de tocá-la. Sua imagem se cristalizou dentro de si como algo sagrado. Cada cigarro acendido pelo seu isqueiro – de puta – lhe faz lembrar que há limite pra perversão, ainda que não haja parâmetro pra isso. Eu que sou Ela volto ao compartimento de dentro, paro e penso. Só duas coisas são capazes de bloquear nosso ímpeto: paixão e covardia.

A contradição faz parte do ser; a sedução também.

Silêncio.

Qual é a espessura exata da tênue linha que separa realidade e desejo?

A palavra é a reiteração do silêncio.

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Esse é um texto de Virgínia Canela, heterônimo de mim