sábado, 6 de dezembro de 2008

Meu cinzeiro cor de rosa

Acordei disposta a me salvar. Pulei da cama e com os pés ainda instáveis senti o chão frio. Foi inevitável, o arrepio me fez ter certeza de que parte de mim ainda respondia a estímulos, ainda que fossem involuntários. Eu seguia viva, organicamente viva. Mirei em volta e percebi o caos. A barbárie mental havia se instalado em meu quarto. Eu que sempre me encontrei entre coisas aparentemente perdidas, fui incapaz de achar qualquer objeto ali. Prognostiquei: ou reformava ou afundava.

Vesti qualquer coisa por cima do pijama – sim, eu tenho o hábito de sair, inclusive pela noite, com pijama por debaixo – e abri a porta da rua com duas convicções imediatas. Eu precisava de móveis vitais e baratos e de um cinzeiro.

Por alguns segundos me senti disposta. Eu havia sido capaz de tomar decisões práticas no mundo real, parecia, enfim, um presságio de adeus ao onírico.

Uma súbita vontade de fumar me preencheu, mas eu resisti. Não por consciência antitabagismo, pelo contrário, fumar me trazia sempre a parcela de realidade que eu necessitava. Eu sempre fumei a minha vida, por mais literal, literário ou paradoxal que possa parecer. A fumaça que entra e sai, que toma conta de mim, me apodrece por dentro e produz escatologias adversas, também me faz respirar. Talvez menos, mas com mais intensidade, com mais energia concentrada em torno da dificuldade do verbo, respirar, e isso me conduz a fragilidade e vitalidade encerradas em mim e envolvidas em todas as contradições da vida. Mas, o fato é que eu não fumei. Não sem o ar renovado que ganharia o meu quarto pela invasão positivista da ordem, não sem o companheiro que faltava às neuroses diárias. O cinzeiro.

Caminhei em passos largos e rápidos em direção a Praça Vermelha, onde havia uma loja “chino” elegantemente intitulada Bazar Oriental. Eu achava isso refinado e inteligente. Nenhuma outra loja “chino” em Santiago era capaz de se diferenciar pelo nome, e olhe que elas proliferam por aqui. No final das contas todas oferecem praticamente os mesmos produtos – vale dizer, uma infinidade deles -, mas o Bazar Oriental me presenteava com algo lúdico no nome. Além disso, o dono, um chinês (obviamente), desses que uma das poucas coisas que sabe falar em espanhol é o valor dos preços, trocando os “erres” pelos “éles”, era simpático. Quer dizer, depois de certo tempo dentro da loja eu sempre tinha a sensação de que ele finalmente havia parado de me seguir, embora ainda houvesse umas 10 câmeras de vigilância espalhadas pelo local. É um preconceito, eu sei, mas ali, no Bazar Oriental eu não me sentia numa conspiração da máfia chinesa e eu e o dono ensaiávamos sempre algumas risadas de canto de boca e de olhinhos repuxados.

Após dias, trancada no quarto e em sonhos em preto e branco, o Bazar Oriental parecia um parque de diversões. Havia um mundo real, e multicolorido impregnado nos plásticos, nos tecidos e materiais em diversas formas.

A desordem do local me excitava. Era diferente de entrar num supermercado no qual todas as coisas têm os seus respectivos rótulos e estão perfeitamente dispostas nas suas correspondentes prateleiras – também rotuladas e apartadas por seção. O Bazar Oriental levava a marca itinerante de cada mão indecisa que passou por lá, revirou as coisas, e cometeu a humanidade de não lembrar-se exatamente onde havia encontrado. Recinto, portanto, perfeito para aqueles que assim como eu precisam do improviso e da clandestinidade – ao menos da sensação.

E foi ali, imersa no mágico (sub) mundo da potência chinesa, que encontrei tudo o que eu precisava. Comprei um armário cheio de gavetas – de plástico – para organizar os livros, um tapete de estética curiosa, bege com aspecto de pano de chão - pra combinar com a cortina-, um cortador de unhas e uma lixeira com uma pintura retro. De tons pastéis, a lixeira portava a imagem de uma mulher atirando com um arco-flecha e impiedosamente acertando o alvo. A mulher, embora em silhueta, anunciava em meio a seu olhar determinado um quê de desespero, talvez pela necessidade de não errar a mira. Eu congestionei o trânsito da loja. A lixeira estava empilhada entre outras vinte, e a atração pelas cores me fez promover o seu resgate. Ao me deparar com essa mulher tão forte e desesperada, não hesitei. Carreguei-lhe com paixão e a emparelhei na altura dos olhos. As outras lixeiras continuaram esquecidas e espalhadas pela loja dificultando a circulação dos outros. Ninguém se atreveu a reclamar comigo. Eu estava apaixonada por aquela mulher. Talvez, porque ela fosse eu ou levasse algo de mim. Tanto tempo mirando a metade, e de repente, me vi projetada numa lata de lixo retro. Ainda perplexa coloquei dentro do carrinho para que ninguém a levasse de mim. Dei-me conta da quão possessiva posso ser.

Até aí tudo resolvido. Armário, tapete, cortador de unhas, e um amor vagabundo. Faltava o cinzeiro.

Eram várias as espécies. De argila, ilustrados, com ou sem frases, pequenos, redondos, quadrados, grandes, e de quase todas as cores. Mas, entre a vastidão, um em especial me chamou atenção. Um cinzeiro rosa, redondo, feito por algum material que simulava um cristal. Não. Pra falar a verdade era vidro, aos meus olhos cristal. Eu achei aquilo tão simbólico. Imediatamente o pensamento me remeteu a uma frase de porta de banheiro de boate: “nunca escreva nomes dentro de um coração, porque corações se rompem; escreva dentro de um círculo, porque círculos são infinitos”. Olhei para o cinzeiro e ri sozinha. A frase transitava entre o ridículo, o kitsch, a espontaneidade de uma bebedeira e a dita sabedoria popular; eu simplesmente adorava essa frase, e até hoje não ouso escrever nomes dentro de corações, talvez por respeito à figura do mito. A associação mental acompanhada do riso me fez ter certeza de que seria aquele meu mais novo companheiro de quarto. Eu nem ousei colocá-lo dentro do carrinho com medo de que pudesse quebrar. Segurei firme e com zelo me dirigi ao caixa.

Voltei pra casa eufórica. Finalmente a transformação. Um quarto digno, ordenado, à volta a realidade e o prazer de fumar com a sensação de dever cumprido. Caminhei novamente em passos largos, mas apreensivos. Havia um cinzeiro redondo e rosa a cuidar.

Cheguei ao apartamento e encontrei minhas companheiras fazendo faxina. Saudei-lhes serelepe e ansiosa por mostrar as novidades. Elas estranharam encontrar-me acordada ou fora do quarto àquela hora do dia. Ultimamente encontrar-me acordada era algo bastante raro. Comecei a tirar tudo de dentro do saco, o cinzeiro ficaria por último, afinal de contas ele tinha gosto de prêmio. Ainda na porta do quarto desenrolei o tapete com a vitalidade de quem também vai começar uma faxina. De repente, e com a mesma velocidade em que alguém que participa de um acidente de carro não é capaz de explicar como aquilo sucedeu, eu vi meu cinzeiro redondo e rosa voando e chocando-se de maneira fatal com o solo. A vista embaçou. Eu não podia acreditar naquela cena. Incontáveis estilhaços de vidro cor de rosa estirados no chão. Permaneci alguns minutos em estado de catatonia. As garotas não entenderam nada. Tentaram estabelecer algum tipo de comunicação comigo, mas eu não era capaz de responder. Apenas chorava em silencio como alguém que vela o seu amor. Vi a minha vida diante de mim impotente e deitada no chão. Os cristais refletiam com vigor. Alguns deles tinham nome, apelido e manias. Chorei compulsivamente pelos amores espalhados em latitudes. Chorei pelas circunstâncias, pelas impossibilidades, pelas possibilidades, por cada gesto ou trejeito incorporado pela convivência e que agora visto de dentro me inundava de saudade. Chorei pelo sim, pelo não e pela responsabilidade que a liberdade impõe.

Enterrei o cinzeiro e instintivamente corri de volta ao Bazar Oriental disposta a dizer barbaridades ao chino. -Como ele havia sido capaz de colocar o meu cinzeiro rosa dentro do tapete sem me dizer nada? Fechei os olhos e lembrei que ele era simpático. Cheguei desolada a loja. Ele se assustou com o meu retorno repentino e se comoveu – em mandarim – como a frustração.

Comprei outro cinzeiro idêntico. $1,40. Dessa vez sem precisar dizer nada ao dono, ele embalou o meu cinzeiro rosa com a preocupação de quem recomenda cuidados ao filho. De alguma maneira ele sabia que pra mim aquilo não era apenas um objeto barato produzido em série. Despedimos-nos novamente com sorrisos de canto de boca e com os olhos repuxados.

Voltei a casa e organizei o quarto em tempo recorde. Sentei-me na cama com o meu cinzeiro rosa ao lado, é claro. Eu suspirava com ar de recompensa. Alcancei minha carteira de Camel e acendi orgasticamente o meu cigarro. Fui tomada por muitas sensações, mas, de modo assustador eu me sentia estranha. Logo agora que as coisas assumiam a literalidade e haviam encontrado seus postos. O inferno onírico deveria ter ido embora.

Minha mãe me chamou pelo computador e antes que me falasse qualquer coisa pensei em lhe mostrar a arrumação de meu quarto. Envie-lhe o pedido de câmera. Ela sabia que eu fumava, não fazia falta esconder o cigarro, muito menos aquele sortido de prazer. Queria apresenta-lhe o meu cinzeiro rosa. Ela já havia ressaltado a necessidade de comprar um cinzeiro, quando esteve aqui. Só não imaginava a dimensão daquele cinzeiro na minha vida.

Mas, logo na primeira frase construída pela indagação “Véu você está aí?”, o mesmo arrepio que me ressuscitou pela manha, dessa vez veio acompanhado pelo mau presságio. O cheiro de morte se confundiu com a fumaça do cigarro. Apenas retruquei: “quem morreu dessa vez?”. Ela perguntou como eu sabia que ela iria me dizer algo a esse respeito. Eu lhe respondi dizendo que coisas estranhas haviam acontecido, entre elas eu haver comprado dois cinzeiros rosa num mesmo dia.

Minha mãe confirmou o que eu já sabia. Minha tia havia falecido. Curiosamente o inferno onírico me havia revelado num filme preto e branco o episódio dois meses antes do acontecido. Eu avisei a família e me despedi de minha tia antes de vir à Espanha. Chorei. Chorei e me senti sozinha. O cinzeiro rosa já não me preenchia com sua companhia. O gosto orgástico do cigarro desapareceu. O gozo é a morte do prazer, pensei. Irônica é a vida. Não há nada mais eterno que o casamento entre a vida e a morte. Poucos sabem, mas vida e morte por serem híbridos se casaram em segredo e secretamente foram batizados círculo. Desde então o círculo é infinito e carrega consigo a dualidade do universo e de todas as coisas. Os matemáticos sabem, mas preferem a explicação do círculo em fórmulas. Os bêbados de boate há muito tempo já tempo intuíam. Eu me sentia aliviada por seguir acreditando na verdade etílica. A vida muda em uma respiração, com ou sem nicotina. Tanto faz.

Em diferentes latitudes antigas paixões seguem suas rotinas, cinzeiros cor de rosa – ou não – são feitos confidentes, mas o Bazar Oriental, por enquanto, não vende almas.

Apaguei as luzes e o cigarro, pensei na mulher da lixeira e abandonei o mundo das cores.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Lubrifica, menina.
Lubrifica que a vida é feita de fluidos.
Deixa e jorra o que lateja em você.
Lubrifica menina.
Lubrifica e enrijece, estremece,
Amanhece o seu corpo sem a espera da aurora.
Não há ninguém por chegar
Nem cheiro de churros ao som de bom dia.
Recebe a si mesma, toca e ouve a campanhia,
Abre a sua porta e desfruta da inesperada companhia,
Você.
Dilata, menina.
Dilata e exala o bálsamo de sua vergonha.
Prepara o seu útero pra solidão.
Dilata, menina.
Dilata e enlouquece, enobrece
Termina a sua prece,
No seu templo o prazer é oração.
Lubrifica menina, lubrifica...
Deita e rola com a vida
Aproveita-se do beco - com ou sem saída
Você bem sabe que é de vai-e-vem que a vida se faz...


*todos os direitos poéticos reservados para o uso incorreto do imperativo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Hey, Snoopy! Tem lugar pra mim aí em cima do telhado?

Você já se perguntou hoje qual o sentido de sua existência?

Não o faça. As tentativas são inúmeras, as conseqüências devastadoras e a probabilidade de resposta convincente é mínima, eu diria inexistente.

O fato é que voltei e minhas pupilas se mantiveram inalteradas.

Pra onde foram as almas espelhadas?

“Irrefleti”.

O verão se foi, meus amores também.

Entorpeço, simulo e não esqueço.

Penso no ciclo de tudo, e é claro, a insatisfação é minha fiel escudeira.

A metáfora do ciclo se converte numa imagem nada agradável de minha menstruação. É natural, fundamental, mas dói, machuca; mais cedo ou mais tarde torna-se indesejável.

Essa história de começo e fim é um saco.

Eu gosto mesmo é do meio, do “bololô”, da confusão.

Prefiro pensar na abrangência da dualidade.

Adoro plurais. Nunca me contentei com uma só opção de lanche durante a merenda. Aliás, eu nunca entendi porque minha mãe preparava a minha merendeira desse modo. Bolo de chocolate e suco de laranja num dia ou pãozinho com queijo no outro. Faltava a bolacha salgada antes ou depois de qualquer coisa minimamente doce. Aliás, eu sempre preferi comer o doce antes do salgado, só pra depois ter vontade de comer o doce de novo - e comê-lo.

Sempre foi e sempre será assim.

Agora, eu pago o pato, e alguém o come.

Tive prazeres em dobro, dores em quádruplo.

Provei tanto do mundo; “indigeri”.

Ontem, comprei jujubas numa esperança inútil de adoçar a vida e alimentar a criança que talvez ainda existisse aqui dentro; método fracassado.

Nem o cigarro foi capaz de abortar essa tensão sexual infindável que há em mim.

Tô cansada, alias, cansei.

O mundo gira e meu corpo segue o movimento em busca de respostas.

Não faço a menor idéia do que esteja a perguntar.

Fujo do monstro do ser. Eu.

Chega de saudade, chega de Sartre, chega de Freud.

Eu! Quero é simplificar.

Cansei de viver. Eu! Agora, só quero existir.

Exatamente nessa ordem.

Por hora não há espaço pra poesia.

Restamos Eu, o silêncio, e a palavra iminente.

Não sei quando volto, nem pra onde vou.

Mas, meu trem sai amanha as 14 h.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008


Ainda não pensei em um conceito pra esse ensaio. Na verdade essa é uma de muitas fotos tiradas em sugestivos troncos de uma árvore secular, no meio da Reserva Sapiranga. Emilly que nesse caso foi a fotógrafa, também atuou de modelo junto à Tici. Debateremos, e logo postarei aqui um ensaio conceitual completo. Por enquanto a prévia da interação entre quatro corpos e muitos troncos.

Nessa foto, eu e meu primo Luquinhas.
Sem grandes inspirações, vou do que tá na boca do povo:
Seeeeeenta que é de menta.
Chuuuuuuuuuupa que é de uva.


Hahahahaha
Adoro a sabedoria popular.
Bom demais.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Dúvida capilar

Ela surgiu com um penteado diferente. Uma euforia tomou conta de mim. O efeito do que via era tão entorpecente que simulei uma visão.

-Finalmente ela mudou de coloração!

Ri por dentro, e fui tomado pelo sentimento de eficiência.

- Minhas palavras ecoam!

Por alguns segundos deixei a presunção de lado e dei saltinhos, um quanto ridículos, de comemoração. Percebi que a euforia adolescente ainda me pertencia, embora tenha levado muito tempo acreditando que isso fosse sinônimo de imaturidade.

Quanta bobagem.

A nuvem de digressões passou e logo voltaram os pensamentos raivosos.

Recordei o fora poético que havia levado, e a mensagem seca e irônica via tecnologia. Não podia ter sido de outra forma!? Desisti do martírio. Eu sempre soube que ela era moderna e sagaz.

Foi o suficiente para voltar a relativizar a vida.

Pensei.

Confrontei a excitação juvenil com a prudência adulta. Realizei que nem a primeira estava necessariamente relacionada à precipitação humana nem a segunda garantia o encontro com a sabedoria.

O impulso pode ser vital; a ponderação mortal. É uma questão de óptica.

Aos 21 anos aparentava uns cinco a mais (ao menos era o que diziam). Cheguei a escutar que tinha cara de rodado. Evidentemente me senti ofendido. Respondi com o de sempre.

– Já vivi muitas coisas.

Quis dizer muitas outras, mas não disse:

– Vai ver é porque já rodei meio mundo viajando.

Calei.

Uma vozinha interior do bem nocauteou o diabinho caricato de desenho animado que sempre faz questão de aparecer só pra polemizar e ver tudo em chamas.

Aos 21 reconheço que estava parado exatamente no meio do caminho diante de uma pedra impregnada de questões. Acho que na casa dos 20 todo mundo acaba se identificando com os clichês, ainda que não os assuma. Eu continuava precipitado, às vezes precavido – muito mais por indecisão do que por qualquer outra coisa -, quase tudo a minha volta me excitava, e apesar de um pouco menos atirado e um pouco mais contemplativo, continuei com o mau hábito da sedução banal, aquela sedução que mescla a necessidade de auto-afirmação e o excesso de libido.

Respirei fundo, encontrei apoio na inseparável barra de chocolate intercalada por tragadas aliviantes de Camel, e ainda que não houvesse desencarnado o cão brabo, voltei ao foco.

A rejeição tem dessas coisas. Desenvolve patologias no indivíduo.

Em frações de segundos enxerguei tudo àquilo que eu queria ver. Foi uma mistura de daltonismo e esquizofrenia. Pus as aulas de Semiótica em prática. Tudo nela me comunicava. O new look era um presságio de mudança. O frisado rompia com a convenção televisiva e levava um pouco de contravenção à sua lucidez adulta.

Dormiria bem. A Virgem das apresentadoras de tevê havia escutado as minhas preces.

Mas, as primaveras além de confundirem a soberba com autoconfiança, me trouxeram também a compulsão.

Não dormi por esgotamento tecnológico e pela expectativa da confirmação. Senti na pele o que é estar ligado à Rede. Essa palavra começou a ganhar conotação literal em minha mente. Tive enjôos, o pior, de mim. Ganhei escamas. Senti-me uma presa fácil. Fui fisgado por um profissional com 10 anos a mais de experiência, e em águas variadas – doce, salgada; pra ele era igual -. Pesca desleal.

- Por que cargas d’água troquei MSN com a garota da tevê?

Esse foi o mantra que me acompanhou por toda a noite até o momento do convencimento parcial de que todas as ferramentas da web eram superficiais e não serviam pra nada. Passei a odiá-las àquela noite. Minha decisão foi drástica. Apagão por toda a casa. Meus pais não entenderam nada. Embriagados pelo sono, os convenci de que faltara luz no bairro inteiro.

No dia seguinte a decepção chegou acompanhada de lição ao ego.

Ela não aderiu aos cachos, tampouco pintou o cabelo.

Tive raiva do meu próprio piercing.

Tudo não passou de um permanente provisório. Tão provisório que só durou um dia. Só ela era capaz de sintetizar extremos em seu capilar - mas, principalmente a cara de idiota dos outros.

-Simples e mais prático. Ela não gosta de mim.

Podia e tinha motivação suficiente pra romper com tudo, restou a quarta parede. Sempre fui fã de Brecht e do non sense. Aqui vai um conselho, daqueles que não têm o menor sentido, mas que ainda assim todo mundo faz questão de reler. Nunca peçam pra tirar foto com apresentadora de tevê. Aliás, nunca se aproximem delas.

É tudo mentira.

Quer dizer.

É tudo verdade.

Elas são irresistíveis e treinadas para simularem expressões de relevância a tudo o que você diz.

Você acaba se apaixonando, elas acabam com mais audiência.

Justo?

Dessa vez fica aqui o meu talvez.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Som na caixa, whisky e dendê para todos

Minha vida nunca foi subjuntivo.
Nunca gostei de subentrega, subtroca, subterfúgios.
Sempre preferi a mão firme, na coxa, sem palavra.
Sou do coração que lateja na boca; do gosto de sal do suor.
Pretérito pra mim só se for perfeito.
Minhas ações não pertencem a um futuro perturbado entre o passado irreal e a incerteza presente.
Sou do bem vivido, do bem amado, do gozo sem remorso.
Já fui e já voltei. Esgoto a linha do tempo.
Já gostei de xadrez; hoje prefiro dardos.
Provei da sinestesia mundana.
Tornei-me adicta. Menos mal.
Meu vício é simbiótico.
Tem cheiro de gente, certo toque de desilusão, e enzimas pró-risco.
Façamos um brinde aos inermes!
Convido-lhes ao banquete de possibilidades que é a vida.
Desculpem-me, senhores. Antes uma ressalva.
Sempre preferi os destilados.
Não que seja indício de um paladar mais refinado.
É que whisky pra mim é sagrado.
Tem um quê de alquimia, de elixir da vida.
- E pra comer, não tem nada?
Mais uma vez o perdão da palavra. O chef de cozinha é novo, e como tal sugeriu um novo prato. Chama-se Talvez.
- Comeremos então, Talvez?
Não, senhores. Talvez passou do ponto. Dessa vez o menu é acarajé, legítimo, como deve ser.
- Legítimo?
Sem mais explicações, Vossa Alteza está cansada.
Som na caixa, whisky e dendê para todos.

Verónika Méndez