terça-feira, 26 de julho de 2011

Pandora

Certo dia, no metro em Paris, diante de mim e de uma grande amiga sentou-se uma senhora com aparencia de bruxa. Cabelos longos brancos, unhas compridas e pintadas, vestia roxo e nos olhava. Nada mais entrar no vagao, antes mesmo de perceber aquela mulher, senti o cheiro de flores, eram lírios. Questionei minha amiga se era coisa da minha cabeça ou se ela também estava sentindo. Disse que sim. Instataneamente, meu corpo respondeu. Arrepios chegaram de forma quase compulsiva. Mas, nao so em mim. na minha amiga também. Nos demos conta, entao, de que era minha avó que estava ali, minha falecida avó. Só ela em vida e em morte emanava aquele cheirinho particular. Nao sei porque, a intuicao que tivemos era de que estava materializada através daquela mulher. Seria ela mesma ou uma mensagem que chegaria através daquele corpo?
A senhora com aspecto de sabedoria e de magia me olhou profudamente como quem assente o que há e discretamente sorriu; eram os olhos da minha avó. Abracei a minha amiga com força e comecei a chorar. Nesse momento, fui tomada pelo medo da proximidade com o metafísico, mas também por um amor profundo. Desejava beijar e falar com aquela mulher. Tarde demais. Nesses poucos e longos segundos de desorientacao, o metro parou na seguinte estaçao, e nao sabemos como, mas a mulher que estava sentada diante de nós, entre um abrir e fechar de olhos desapareceu.
Desde entao me questiono o que teria dito e perguntado à minha avó depois de dois anos inteiros afastadas. As vezes, o obvio parece fácil, mas quando se transborda amor e saudade as palavras parecem desaparecer. Hoje, dois anos depois do ocorrido saberia o que dizer ou pelo menos por onde começar. Mas, é aquela velha historia: a flecha lançada, a palavra dita ou nao dita e a oportunidade perdida nao voltam jamais.
É aqui entao, que começa essa história. A minha e de muitos. Histórias e sentimentos que nunca chegaram aos seus devidos destinatarios. Mensagens que silenciaram pelas circuntancias, pelo medo, pelo proprio acaso ou por opçao.
Dizem que todo mundo quer amor de verdade, mas verdade mesmo é que todo mundo tem algo a dizer, inclusive sobre isso.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Pão e processos

A sensação é de viver num processo de incubação. Carrego doenças e milagres dentro de mim, mas todos seguem iminentes, e, parecem tardar na sua manifestação.
E assim, levo um mundo dentro; pensamentos; palavras; palcos; gritos almados; cidades; prantos; gargalhadas; gozos; cantos; mortes vivas e mortes mortas – nada processado, tudo em processo, tudo por acontecer, com desfecho ou continuação ou não. Mas, nada acontece.
É a garganta por inflamar que nao inflama, mas cuja sensação se perpetua ou mesmo a memória dessa, quando em algum momento foi, e já nao é; tampouco parece vir a ser.
E aí, as linhas não existem, as páginas ficam em branco, o violão não soa e a vida se reduz a paredes verdes com o teto povoado por aves que parecem voar, porém assim como eu, estão estáticas. Talvez, quem veja ou observe de fora, ache o teto lindo e as aves livres; talvez elas realmente estejam livres, no entanto, cheias de condenas.
Foi em meio a essas divagações solitárias que ela resolveu descer ao supermercado para tentar encontrar algo que preenchese a ausência presente, que a alimentasse. Não se pode comer a recordação ou o sonho, embora a sua digestão seja questionável. Sem embargo, pode-se consumir a matéria que evoca a lembrança; mais que isso, pode-se exaltar os sentidos e a partir deles fazer com que a ausência presente deixe de ser o que é e então, se transforme num presente do presente.
Era o aniversário de quem amava. Comprou pão orgânico da marca Bio, o tipo de pão que ela nunca gostou, mas que seu amor amava e a fazia experimentar. Provou uma vez e seguiu experimentando muitas outras, e em todas elas, o sabor lhe parecia estranho. O gosto era de encantamento pelo outro, com algo que o paladar reconhecia como terra.
Subiu à casa, disposta a fazer um sandwich como ele outrora fazia. Pensou, inclusive, em preparar um café e tomá-lo, algo que jamais ousou nada vida. Ela odiava café. Mas, era o aniversário dele, e diante da incomunicabilidade com outro, da ruptura e da exclusão total de sua vida, essa seria unica forma de celebrar a data especial sentindo-se ao seu lado; evocando a presença pelo cheiro e pelo sabor.
Comeu o sandwich em câmera lenta. A cada mordida um beijo, um olhar terno, brigas e reconciliaçoes. Devorado o momento,ela seguia achando o sabor estranho, e entao pensou que há coisas na vida que nunca mudam: nem o amor enquanto essência, nem o sabor que o pão produzia nela.
Talvez, tudo tivesse que ser sempre assim. Estranho e amado. Mas, então, não tomou o café. O amor roga concessões, mas, algum ponto da sua identidade deveria permanecer imaculado, ou quem sabe, a necessidade de evocação do outro pelo café, de momento, ficasse na iminência e em processo de incubação como todas as outras coisas da sua vida.
Chorou, riu, fumou um cigarro e sentiu a necessidade de escrever.
Sentido? Pra quê?
Por hora, as páginas continuam em branco e as aves seguem livres e estáticas no teto.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Horizonte

Sentou-se junto às rocas do mar aberto. Por alguns minutos sentiu-se feliz: foi capaz de ver o horizonte. Este, entretanto, não a conduziu a uma perspectiva futura. O contrário em absoluto. No seu mundo o perder de vista do horizonte se revelava retrospecto. Um retorno ou um avanço à origem. Nada de imensidão, devires ou novos lugares. O que via, desde as rocas, levou-lhe pra um lugar só seu. O imutável, o já realizado, a alegria conquistada, a tristeza superada, o primeiro passo dado, a primeira queda de bicicleta, o amor feito e gozado, o término e a reconciliação (consigo mesma, com o outro ou com ambos). Nesse lugar, tudo é pleno. O devir segue sendo devir, embora cristalizado, porque em algum momento assim o foi. Sorriu. Sentiu o frio cortante, mas não deixou de celebrar a presença do sol, ainda que tímida comparada à força do vento. Deu-se conta de que, às vezes, é preciso caminhar pra trás; mais que isso, pra dentro. O presente embora um presente se consome, se desfaz. O futuro não existe. É um segundo depois de agora que deixou de ser. Concluiu, então, que o passado tampouco é passado; que o passado é o horizonte e a vida um eterno recordar do viver.

sábado, 23 de abril de 2011

Impressoes

Eu me vejo como esse quadro na parede de uma casa outrora povoada, agora inhabitada. O garoto, em posiçao de cócoras sujeita a cabeça (ou mais bem tapa os ouvidos?) e diante do outro revela um tronco descontínuo, cortado por uma faixa de tinta amarronzada. Estará ele realmente em descontinuidade ou seu corpo assim se revela apenas diante do outro?
Até que ponto as impressoes que carregamos do mundo ou dos nossos ¿semalhantes? sao produto de uma lógica de alteridade ou complexo reflexo de construçoes socio-historicas distorcidas?
Até que ponto as impressoes que temos de nós mesmos sao resultado desse ou daquele?
Recaimos num transitar quase esquizofrênico entre esses dois extremos. Dificil colocar-se no lugar do outro sem penetrar na sua subjetividade, por mais que se penetre na sua cultura. Sim, porque a cultura é integrante de hábitos e quizás de personalidade, mas a subjetividade é um poço sem fundo.
Eu nao sei porque o menino contínuo ou descontínuo segura a cabeça ou tapa os ouvidos. Apenas sei -ou acho que sei- que em meio a tantos ruídos, e mesmo diante da enorme audiência que já transitou por essa casa -agora inahbitada -, ele está só. Mesmo diante de mim, mesmo diante de outros, ele permanece só. Só também estou eu; nem eu e nem ele chegaremos a saber o motivo de nossas solidoes ou mais bem vazios acompanhados?
Ou talvez tudo isso seja apenas mais uma impressao falsa de mim para o outro e vice-versa. Talvez o menino nao me veja como uma solitaria (embora assim me sinta), talvez ele nao seja solidao. Sao tantas as possibilidades. A mim e ao outro cabe nao julgar, nao projetar, nos corresponde apenas uma reflexao circular e interessada; mútua. Falo de espelhos externos e interiores. Espelho de teto de motel; espelhos que desdobram e multiplicam imagens; retrovisor; de maquiagem; aquele de armário usado só por você, e também aquele espelho de dentro - da câmera fotográfica. Sao multiplas as metáforas.
Por hora, a tela do computador me reflete, eu reflito o menino, e muito provavelmente adotarei a mesma atitude aparente que ele: há ruido na rua, há ruido nessa casa inhabitada; tapo os ouvidos e me escuto na reflexao de mim para mim e de mim para o outro. Continua ou descontinua? Acho que as duas coisas. Sempre.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

ele cheirava para sentir-se próximo da morte; para que quando, então, seu coração disparasse profundamente, sentisse medo de morrer. assim, finalmente se perceberia inteiramente vivo e apegado a essa porção inexplicável e instintiva de manter o pulso pulsando, ainda que a vontade de partir o acompanhasse sempre.
pela primeira vez escreveu de cara à luz, tamanho era seu desejo de morte. já não necessitava a escuridão pusilânime, morreria às claras, ainda que depois regressasse ao opaco.
pela primeira vez, escreveu sem se preocupar com a grafia ou mesmo com a pontuação. as palavras correspondiam aos seus impulsos mais primitivos, a um suspiro ininterrupto. talvez, seu último suspiro. o mais libertador.
do pó para o pó. o regresso às origens. sentiria o amor da terra ou até mesmo experimentaria o calor do inferno. fora onde fosse, finalmente não estaria só.
pudera que a eternidade do elemento fogo lhe acompanhara, pudera que a eternidade do elemento ar fizera o mesmo. a ele não lhe importava. o importante era sentir-se vivo, ardendo em chamas ou flutuando e embreagando-se de ar.
de uma forma ou de outra finalmente seria etéreo e jamais desejaria morrer, tampouco renascer. ele simplesmente seria chama, pó ou ar.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

a sopa

04:35 da madrugada. comendo clarice, sua G.H, a barata e um prato de sopa não devidamente calentado no microondas. a sopa está fria, tal qual a barata e seus pedaços. oh! acabo de dar uma colherada e descubro que no centro está morno. minha tia avó dizia "vá comendo pelas beiradas"; ela já sabia que o fervor reside no núcleo.
minha vida anda gerundiando e transitando entre o frio e o morno. quero a quentura, mas não a do microondas. nele, sempre me equivoco na temperatura ideal. pensando bem, acho que na vida também.
a sopa de verduras (ou será de verdades?) acabou. o prato agora está vazio. eu também.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Espumante

Cuidado. Nem toda ficção é realidade e vice-versa.

-Posso tirar uma foto de vocês? Você assim, como ta. Com os seios de fora.
- Só saio assim se ela tirar a roupa também.
Simard. Eu a acabava de conhecer. Uma estranha familiar. O melhor sexo da minha vida.
- Não vou tirar a roupa aqui, mas posso tirar lá dentro, na espuma.
...
Foto literalmente composta. Ninguém mostrou nada. Mas, a gente espumou.

“Oui oui” gemia ela em meio a espuma que superava 2 metros a partir do chão; quase roçando o teto. Psicodelia, luzes incessantes e graves que vibravam pedaços de todos.

Era el Arena, Barcelona, Espanha. Um sitio de “ambiente”.
“Soplame la espuma, Bea, que no veo un huevo y me ahogo”.
-Oui Oui. I like you, girl.
-No me lo puedo creer que estoy echando un polvo delante de mi mejor amiga! Ah que te pones cachonda, Bea?!
-Hahahahaha, voy al cuarto oscuro!!! Solo pa echar una miradita!!!
-Espera, há mais duas mãos na minha calcinha!!! What a fuck is going on??? Saiam daqui!!!! Malhados babões!!!

- “Oui Oui”… Don´t stop!!! I like you girl!
- Wait, I wanna know you!
- What? My English isn’t good; just French!
- No hablo frances!!!
- What do you do in Canada?
- Im a teacher!!!
- Oh…interesting!!!
- Fuck me.
Ok. Linguagem corporal é sempre a melhor solução.
Tudo bem. Em meio à espuma e ao som inebriante, parede também é a melhor solução.
Coladas, ali no meio da espuma, com uma amiga na retaguarda fazendo a segurança, a professora de Quebec resolveu abandonar os shorts e o cigarro que levava em meio aos seios. E assim prosseguiu. Rasgou ferozmente parte de meu vestido e não satisfeita o conduziu até o chão. Surrealismo? Não. Realismo fantástico, como diz o meu pai.
-“Oui, oui”.
- Bea, me muero. Dios mio, sigue soplandome que me estoy volviendo ciega.
- Vero, hay un tio asqueroso al lado haciendose una paja.
- Me cago en Dios!!! Nos está echando mano!!!
- Vete de aquí, cabron!!!
- Bea, me estoy enamorando y un poco mareada.
- Y yo estoy cachonda.
- Metete en el medio.
- Hahahahaha. Que guay. Estan todos follando. Pero, tengo a Matilde. No quiero.
- Sigue soplandome, entonces.
- Ai, gostosa. Ai ai, ai está bom.
- “Do you like at this way”?
- Yeah…
- Bea, me corro y me muero!!! Ah.....Ah....
Gozei. E me afoguei na espuma.
- Bea, rescatame. Levantame. No tengo fuerzas.
Risas colectivas.
Nos abrazamos. Signo torto, quase equivocado, pensei que fosse o princípio de uma bela história.
- It was amazing. Now i have to go.
- Wait. What´s your name? Give me your email, facebook, anything.
-Simard.
Um beijo frio nas maças faciais e um adeus. Lá se foi a loira, de olhos azuis, de mochilão “sabático” pela Europa querendo comer-se ao mundo. Tudo bem. Eu também já havia provado do mundo.
Bea insistia no quarto escuro.
- Estás loca? Si entras no sales entera de ahí.
- Te quiero, Bea. Eres mi mejor amiga.
Unas “dosis” más de whisky. Hahahaha. Piada interna.
E lá nos fomos. Eu e Bea molhadas e cheias de espumas e realidades surreais pro currículo. Nenhum taxi queria nos levar pra casa. “Era muita encharcação”. Cruzamos quarteirões na madrugada, descalças, molhadas, mas felizes.
Encontrei a professora na rede. Mas, era apenas mais uma estrangeira de direitas que quando sai do país aproveita pra fazer a “esbórnia” fora de casa e logo regressa a sua rotina “puritana”.
A obsessão durou algum tempo. Mas, é sempre assim. Logo passa.
Restamos eu e você, minha amiga irmã, Bea. E Matilde, é claro, seu amor. Grande amiga. Não há “chocho’” que transcenda uma bela amizade.
Mas...o Arena segue ali, a nossa espera. E outras tantas aventuras.
Tudo bem, professorinha. Você tem seus méritos. O sexo espumante até hoje foi o melhor.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

PEIDO AO AMOR

Eu tenho que dizer. Tenho que exorcizar os meus medos. E que se foda a poética, que se foda a magia das palavras. O poeta, se esconde atrás das palavras...São tantos os subterfúgios. Mas, não falarei disso agora, porque já abordei isso em "Ela e Lina". Agora recorro à realidade, por mais surreal, irreal, sobrenatural, metafísica ou sei lá o que quer que seja. Estou dopada. Qse 2 mg de rivotril. Tenho medo de fechar os olhos. Tenho medos dos fantasmas que mais me amaram na vida, porque na realidade tenho medo de seus julgamentos. Mas, o amor julga? Eu tenho medo de minha consciência reflexo de outras dogmáticas. Mas, eu sou só sentimento. Bons ou ruins. Sou só sentimentos.
Hoje aconteceu algo interessante. Eu peidei. Um ato aparentemente corriqueiro e para outros asqueroso, escatológico. Mas, esse peido foi tão lindo e repleto de amor. O seu odor, inesperadamente, foi o mesmo dos peidos silenciosos de minha finada e amada avó. E esse cheiro escatológico me fez tê-la aqui, ao meu lado; uma ausência tão presente. Fui capaz de fechar os olhos e escutar o seu riso depois de uma flatulência malandra.
Eu já disse e volto a repetir: "Quem ama, caga". E agora, insiro uma nova convicção: o amor é um peido, uma flatulência, gases que navegam pelo universo.
2 mg de rivotril. Não resisti e tomei a outra pontinha. É madrugada e o escuro me assusta. Na verdade acho que o silêncio me assusta. Tenho-lhes tão presentes, minhas queridas. Espero seguir peidando a vida e vossas memórias. Sim, porque há outros cheiros que posteriormente serão retratados.

Boa noite. Praqueles abençoados que são capazes e corajosos ao ponto de fechar os olhos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Canto

Canto porque se não cantara
Não seria canto, só seria pranto
Planto no meu canto as destonações da vida
E "entono" no meu desafinar a liberdade de ser
Ser canto, ser riso e por quê não, ser pranto
Ser tantas coisas que só o canto permite ser
Canto em louvor ao amor e a todos os desamores
objetos da poética e do cantar
Canto porque o som é cósmico
E 12 são os tons, as casas do zodíaco,
os meses do ano, a metade das horas de um dia
12 são os focos de irradiação universal.
Canto porque vem do além
Mas também, porque vem de dentro.
Canto porque quando canto encontro o meu canto no mundo.
Canto porque logo, existo, resisto,
e com o meu cantar insisto no seduzir e no salvar.
Canto e seguirei cantando porque
acredito na transformação, na conexão, no humano e nas galáxias
Meu desejo? cantem e encantem.
Quem canta reza duas vezes.