segunda-feira, 18 de julho de 2011

Pão e processos

A sensação é de viver num processo de incubação. Carrego doenças e milagres dentro de mim, mas todos seguem iminentes, e, parecem tardar na sua manifestação.
E assim, levo um mundo dentro; pensamentos; palavras; palcos; gritos almados; cidades; prantos; gargalhadas; gozos; cantos; mortes vivas e mortes mortas – nada processado, tudo em processo, tudo por acontecer, com desfecho ou continuação ou não. Mas, nada acontece.
É a garganta por inflamar que nao inflama, mas cuja sensação se perpetua ou mesmo a memória dessa, quando em algum momento foi, e já nao é; tampouco parece vir a ser.
E aí, as linhas não existem, as páginas ficam em branco, o violão não soa e a vida se reduz a paredes verdes com o teto povoado por aves que parecem voar, porém assim como eu, estão estáticas. Talvez, quem veja ou observe de fora, ache o teto lindo e as aves livres; talvez elas realmente estejam livres, no entanto, cheias de condenas.
Foi em meio a essas divagações solitárias que ela resolveu descer ao supermercado para tentar encontrar algo que preenchese a ausência presente, que a alimentasse. Não se pode comer a recordação ou o sonho, embora a sua digestão seja questionável. Sem embargo, pode-se consumir a matéria que evoca a lembrança; mais que isso, pode-se exaltar os sentidos e a partir deles fazer com que a ausência presente deixe de ser o que é e então, se transforme num presente do presente.
Era o aniversário de quem amava. Comprou pão orgânico da marca Bio, o tipo de pão que ela nunca gostou, mas que seu amor amava e a fazia experimentar. Provou uma vez e seguiu experimentando muitas outras, e em todas elas, o sabor lhe parecia estranho. O gosto era de encantamento pelo outro, com algo que o paladar reconhecia como terra.
Subiu à casa, disposta a fazer um sandwich como ele outrora fazia. Pensou, inclusive, em preparar um café e tomá-lo, algo que jamais ousou nada vida. Ela odiava café. Mas, era o aniversário dele, e diante da incomunicabilidade com outro, da ruptura e da exclusão total de sua vida, essa seria unica forma de celebrar a data especial sentindo-se ao seu lado; evocando a presença pelo cheiro e pelo sabor.
Comeu o sandwich em câmera lenta. A cada mordida um beijo, um olhar terno, brigas e reconciliaçoes. Devorado o momento,ela seguia achando o sabor estranho, e entao pensou que há coisas na vida que nunca mudam: nem o amor enquanto essência, nem o sabor que o pão produzia nela.
Talvez, tudo tivesse que ser sempre assim. Estranho e amado. Mas, então, não tomou o café. O amor roga concessões, mas, algum ponto da sua identidade deveria permanecer imaculado, ou quem sabe, a necessidade de evocação do outro pelo café, de momento, ficasse na iminência e em processo de incubação como todas as outras coisas da sua vida.
Chorou, riu, fumou um cigarro e sentiu a necessidade de escrever.
Sentido? Pra quê?
Por hora, as páginas continuam em branco e as aves seguem livres e estáticas no teto.

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